Páginas

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

O vírus

A onipresença não é sempre divina, às vezes é somente um espaço contaminado. Invisível, mas o essencial é evitá-lo porque um Eros que há gerações vem tentando ser construído se perdeu. Foi ocupado pelo conflito entre a mitologia e ciência que eu acreditara estarem pacificado. Eu sempre admirei o caos porque sabia prevalecer diante de tudo que ele é capaz de revelar, agora aceno ao prazer da ignorância pelo limite que se excedeu.

Essa desordem virótica espalhada pelo mundo entrou em meu corpo e não faço a menor ideia de como ou de quando. Só sei que estava em mim. Só lembro de não conseguir me levantar enquanto diversos males adormecidos iam despertando. Sem me dar conta, o que havia extraído do meu interior era mais nocivo que o que eu aspirei afora, pela primeira fez me fizeram acreditar em um fim.

Mais uma vez voltei para um lugar que prometi nunca voltar, era somente a próxima última despedida do que sempre fora um vício. Aproveitei a justificativa de que o caos já estaria em todos os lugares para me render a alguma compulsão e deixar para o amanhã a promessa de mudança. Esse amanhã não vai chegar, e se culpa não for de um vírus, será da minha insônia, será do meu silêncio. O despertar será horrível, como um chamado de ressaca sem nenhuma lembrança.

Não preciso responsabilizar nenhum sintoma, já tenho muitas noites mal dormidas como um peso. Já tenho objetivos que talvez eu nem queira tanto assim somente para priorizá-los e culpá-los pela não realização dos meus sonhos. A doença é outra. Eu já conheço todas as minhas sabotagens e me alterno entre me responsabilizar por elas ou simplesmente aceitar que não consigo para me tratar como um inocente indefeso. Já aprendi o quanto essa leveza pode ser insustentável, por isso, preciso me culpar as vezes. É um equilíbrio compatível com o caos.
Jogo pedras porque nem possuo telhado, sou apenas um campo aberto em meio a tempestade. Enquanto não organizo os roteiros da minha história, me resumo em tirar fotos, momentos pontuais que em minha cabeça são belas paisagens que me lembram pequenos momentos de felicidade. Mas simplificar a vida em coletas de paisagens na memória não me realiza. Com todas minhas partes desalinhadas, posso transformar qualquer belo cenário num local de despedida. A memória seria apenas luto e as fotos, cinzas espalhadas ao vento.

Essa resultante de incompatibilidade de mim não é apenas uma pequena gripe. Fiquei fragmentado pelo espaço e meu corpo apenas tenta acompanhar essa dispersão como apenas um partícipe. Não sei onde vou chegar, mas preciso deixá-lo ir, pelo menos por algum tempo. Se eu conseguir evoluir e voltar a prevalecer nesse caos, juntarei o que sobrou de mim para então decidir se vou à inércia ou reconstituo meu eros, enquanto isso, deixo apenas o meu lamento.

0 Comentários:

Postar um comentário

Pelo menos leia o texto e evite escrever merda!
Eu não me importo que coloque o link de seu blog, só não aceito que se resuma a isso!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...